A desconsideração da personalidade jurídica é um dos riscos mais importantes para os sócios de uma empresa. Isto porque, caso ela seja aplicada, os membros da Sociedade arcam com as dívidas da empresa, comprometendo desta forma o patrimônio pessoal.
No entanto, o procedimento só pode ser utilizado pelo credor nas hipóteses previstas em lei e depende de medida judicial. Além disso, contando com organização financeira e contábil, a Sociedade pode se prevenir, evitando cobranças e penhoras.
A personalidade jurídica é uma condição que permite a indivíduos e organizações terem direitos e deveres jurídicos. Por isso, entre outros requisitos, dependemos dela quando vamos assumir obrigações, contratar serviços, adquirir produtos e afins.
Inicialmente, a personalidade jurídica pertence aos seres humanos do nascimento com vida até a morte. No entanto, a legislação concede esse atributo a organizações, que são as chamadas pessoas jurídicas.
A lógica é que pessoas físicas e jurídicas tenham autonomia patrimonial. Assim, se tudo estiver correto, nem a organização responde pelas dívidas do sócio, nem o sócio responde pelas dívidas da organização.
As pessoas jurídicas podem, ainda, ter responsabilidade limitada ou ilimitada. Em tese, no primeiro caso, o credor não pode cobrar as obrigações dos sócios após o esgotamento do patrimônio da pessoa jurídica, enquanto o segundo traz essa possibilidade.
A desconsideração da personalidade jurídica é uma exceção à autonomia patrimonial. Nela, a personalidade da organização é ignorada, permitindo a cobrança da obrigação diretamente do sócio da pessoa jurídica, mesmo nos casos de responsabilidade limitada.
Em um primeiro momento, somente era possível realizar a desconsideração direta: ignorar a personalidade jurídica autônoma da sociedade e cobrar as obrigações do sócio. É o caso, por exemplo, da cobrança de dívida trabalhista dos donos da empresa.
Atualmente, também se admite a desconsideração inversa: ignorar a personalidade da pessoa física para cobrar a obrigação da pessoa jurídica. Um exemplo é a dívida de pensão alimentícia, na qual o devedor mantenha a maioria dos bens em nome da organização.
A desconsideração da personalidade jurídica está prevista no Código Civil:
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
Como regra, portanto, exige-se o uso abusivo da personalidade jurídica. Esse ato contrário a legislação dá origem a duas modalidades diferentes de desconsideração.
1. Subjetiva
Na subjetiva, os sócios usam da organização para lesar credores ou praticar atos ilícitos. Podemos citar diversos exemplos:
- sócios que se utilizam de “laranjas” para ocultar o patrimônio na empresa;
- organizações utilizadas para lavagem de dinheiro;
- entidades filantrópicas que passam a visar o enriquecimento dos sócios.
Esses casos caracterizam o desvio de finalidade da organização.
2. Objetiva
Por sua vez, a responsabilidade objetiva ocorre em situações de confusão patrimonial:
- o sócio usar a empresa para pagar obrigações pessoais, adquirir bens etc.;
- existir a transferência de ativo ou passivo entre sócio e organização, sem contraprestações;
- demais ações que demonstrem a falta de autonomia entre os patrimônios da organização e do sócio.
Os casos apontados não abrangem valores considerados mínimos. Ademais, assim como na situação anterior, pode acontecer tanto da empresa para o sócio como dele para a organização, aplicando-se a desconsideração direta ou inversa conforme a situação.
Os casos anteriores exigem a soma do abuso da personalidade jurídica e da falta de recursos da Sociedade para fazer frente às obrigações. Por isso, são chamados de teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica.
Ao lado dela, temos a teoria menor, que é aplicável no Direito Ambiental, no Direito do Consumidor e no Direito Trabalhista. Nesse segundo caso, basta a Sociedade não ter os recursos para arcar com as suas obrigações para que seja possível incluir os sócios e cobrá-los da dívida.
Por isso, a gestão de riscos têm uma preocupação redobrada com o passivo dessas áreas, representando os com maior probabilidade de afetar os sócios.
Na ampla maioria das situações, a desconsideração da personalidade jurídica ocorre na relação entre sócio com poderes de administração e Sociedade. Assim, a pessoa que é apenas uma quotista estaria protegida contra esse tipo de ação.
Já foram reconhecidas algumas exceções nas decisões judiciais que podem levar à extensão para os demais sócios. Um exemplo é a desconsideração inversa quando vários envolvidos são beneficiados, embora apenas um deles seja o administrador.