É certo que a pandemia contribuiu decisivamente para o avanço e o desenvolvimento da tecnologia, de sorte que a inteligência artificial se torna uma realidade cada vez mais presente no mundo moderno e, sobretudo, nas relações de trabalho.
E no tocante a este novo cenário contemporâneo que se apresenta, oportunos são os seguintes apontamentos:
A pandemia obrigou ao confinamento, ao distanciamento, ao isolamento, sendo que, em muitas empresas e em muitos setores, a prossecução da atividade laboral foi mantida em novos moldes, à distância, com o preciso e indispensável auxílio das tecnologias hoje disponíveis.
A pandemia veio, pois, acelerar um processo que já se encontrava em curso, de transição digital, em que o virtual toma o lugar do presencial, em que a comunicação e a interação humana se processam com o largo recurso aos dispositivos tecnológicos hoje disponíveis para a generalidade da população (o computador, a internet, o smartphone, etc.). A inteligência artificial, as apps que para tudo servem, a robotização que vai se alastrando, tudo sinais de um mundo novo (quiçá não tão admirável assim…) que já chegou e que vai continuar a surpreender a espécie humana nas próximas décadas.
Os reflexos de tudo isso no plano das relações laborais são óbvios, são incontestáveis, são imparáveis e são irreversíveis.
No Brasil, hoje se encontra em andamento o Projeto de Lei nº 21/2020 que cria o Marco Legal do Desenvolvimento e Uso da Inteligência Artificial pelo poder público, por empresas, entidades diversas e pessoas físicas. O projeto já foi aprovado na Câmara dos Deputados e, caso seja recepcionado pelo Senado Federal sem alterações, seguirá para a sanção do presidente da República.
De igual modo, tramita outrossim no Senado Federal o Projeto de Lei nº 872/2021, que dispõe sobre o uso da inteligência artificial, além do Projeto de Lei nº 5.051/2019, que estabelece os princípios para o uso desta tecnologia no Brasil.
Entrementes, a Resolução nº 332, de 21.08.2020, do Conselho Nacional de Justiça, dispõe sobre a ética, a transparência e a governança na produção e no uso de inteligência artificial no Poder Judiciário.
Do ponto de vista normativo no Brasil, a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, garante aos trabalhadores o direito à informação clara e precisa da utilização dos dados que sejam titulares, assim como a finalidade a que estes se destinam. Bem por isso, uma questão que tem sido objeto de debate e estudo se refere à criação de mecanismos para impedir a discriminação por inteligência artificial, ou seja, evitar que a tecnologia crie padrões de excludentes.
Se, por um lado, é verdade que a inteligência artificial pode trazer efeitos positivos nas relações de trabalho; lado outro, se constatada que esta tecnologia pode causar prejuízos, como por exemplo, a discriminação no tratamento de dados na relação de trabalho, isto poderá acarretar consequências e responsabilização de ordem civil.
É cediço que a inteligência artificial é escorada em algoritmos e, claro, a partir de uma análise dados, fato é que a máquina passa a “aprender” a se desenvolver com as experiências adquiridas. Nesse sentido, é factível que em decorrência de um conjunto de dados a máquina possa ser induzida a uma tendência, e, por conseguinte, ocorra a discriminação de trabalhadores, em virtude de sua programação.
Frise-se, a título de exemplo, que a empresa Amazon constatou que o seu sistema de inteligência artificial adquiriu uma certa orientação sexista, em razão dos dados dos currículos recebidos ao longo de 10 anos.
É fato que a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho veda qualquer discriminação em matéria de emprego ou profissão. Por isso, é imperioso lembrar que conquanto a inovação tecnológica seja inevitável, deve-se sempre ter o cuidado para não haver afronta aos direitos humanos fundamentais nas relações de trabalho.
Em arremate, é importante que seja feita uma reflexão a fim de evitarmos o retrocesso social, afinal, a tecnologia deve servir para que o ser humano tenha uma melhoria da sua condição social e, por conseguinte, uma vida equilibrada e feliz.